domingo, 5 de abril de 2020

ENTRE AS PAREDES E O COVID 19

ENTRE AS PAREDES E O COVID 19

"cada um tem sua guerra... a nossa agora é contra um inimigo invisível o COVID 19 e as de mais de 520 anos"


Querido diário... eu nunca tive diário... mas tive cadernos de anotações durante minha itinerância junto aos povos indígenas em RO e MT de modo especial... em meus cadernos de anotações buscava de forma etnográfica marcar meu tempo de vivência e o que mais me marcava nestas vivências. Não me tornei etnográfico acadêmico, mas um etnográfico de vida...
Bom, foi com essa experiência que me atrevo a escrever de vez em quando alguns apontamentos, seja do que me intriga, seja do que me move.
Por isso agora me sinto provocado a escrever "entre as paredes e o COVID 19", já que, estamos em pleno domingo, dia 05 de abril de 2020, dia de ramos para os católicos... na minha interpretação o dia de ramos representa o dia da acolhida de Jesus na cidade...ele voltava de alguma viagem e quando as pessoas souberam que ele iria entrar na cidade, cujo local representava, o centro do poder, e ele, o insubordinado rumar para a cidade significava instigar o povo contra os donos do poder... saudar com ramos, retirados da natureza era como que se estivessem oferecendo o que de mais valioso este povo tinha, o meio natural como companheiro.
Bom deixando o dia de ramos de lado, que não estava no pensamento inicial, mas de repente me atravessou, e isso é coisa do hipertexto que nós somos, volto a pensar entre paredes, e talvez os ramos, a rua, entrar na cidade seja o desejo de ver terminado logo essa quarentena. E estar entre paredes não significa estar fechado ou fechada em si... pode significar tempos de aberturas, inclusive para escrever este texto por exemplo... pode significar tempo de reflexão na reclusão... 
Aqui na Maloca Querida em Porto Velho, dividimos a casa eu, minha companheira Márcia Mura, meu filho Lucas Mura e nossa parenta Tenharim, a Suelane, estudante de técnica de enfermagem. Nosso outro filho Tanan Mura está na aldeia Mura do Itaparanã, com a parentada, antes do vírus pegar valendo; já minha nora Tatiane e meu netinho Buhuraem Mura estão na Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto em Guajará Mirim, cuidando de seus pais.
Dessa forma, nós quatro em Porto Velho dividimos nosso tempo em muitos tempos distintos: do cuidar da casa, dos cachorros e gatos, do fazer os alimentos diários, dos contatos com a parentada para obter e partilhar informações, produzir algum texto, alguma postagem nas mídias sociais, gravar um vídeo para as crianças na contação de historias, na escrita de relatórios de projetos, na reorganização de eventos (oficinas, encontros, seminários, fóruns, curso de formação entre outros), assim como na denúncia de violações de direitos.
A música de vez em quando ocupa nosso espaço e tiramos o violão do saco e deixamos que algumas músicas nos atravessem e arrisco até a compartilhar com compas pelos meios digitais. Até um filme de comédia é apreciado não todo dia, mas que ajuda a quebrar o clima tenso.
Todos temos saudades... e como temos... Lucas de sua companheira Tatiana e de seu filho Buhuraem... Nós também...cada dia sabemos que estamos perdendo um pouco das novidades criativas que uma criança de 1 ano e 4 meses... Eu e Márcia também sentimos saudades de nosso povo na comunidade de Nazaré, de nossa Maloca Mura 1 e 2, da roça, da Maloquinha em construção e até da preocupação com os cupins que são rápidos... Suelane Tenharim com certeza sente saudades de seus pais e familiares...principalmente de sua avó de 101 anos, que tem estado doente ultimamente... 
Também temos preocupações... cada nova notícia o sobre-salto toma conta, a ansiedade e a tristeza... mataram mais um parente Guajajara, morreu uma parenta Borari em Alter do vírus, morreu um parente Mura de Covid em Manaus... não estão registrando todos os casos de mortes decorrentes de problemas respiratórios e com isso não sabemos de fato o tamanho do risco que estamos correndo... aliás mesmo parados estamos em risco... 
É a pandemia, é a falência de um sistema geopolítico capitalista depredador, mas que até mesmo na desgraça do povo se alimenta com a venda de materiais... é o vírus construído no laboratório chamado de planeta Terra pelas mãos dos tais humanos, os mesmos que choram seus mortos, são os mesmos que produzem morte pelo nível de contaminação provocado nas entranhas da Terra.
Mas este ano tem eleição no nível municipal... teria Olimpíadas, ainda terá o FOSPA em Mocoa, teria o ATL no mês de Abril em Brasília... teria ou terá a saída de um "louco" da presidência do Brasil ainda este ano...
Entre paredes e o CONVID 19 eu acredito é na rapaziada, na força da fé e da memória ancestral, de que nós sairemos de mais uma... mas o bom é que todos estejamos juntos quando isso tudo passar. Por isso #Fiqueemcasa por você, por nós e pelos outros... a Casa Comum pede ação e se puder ajude quem estiver em condições mais difíceis que você.

Forte abraço e que Namantuiky nos proteja e nos guie nos caminhos da Justiça Socioambiental.

Iremar Antonio Ferreira - 05\04\2020

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